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Ordenações Filipinas no Brasil: Análise do "municipalismo" colonial brasileiro

  • Foto do escritor: nucleodomantonio
    nucleodomantonio
  • 22 de set. de 2022
  • 8 min de leitura

Por André Kally


Introdução

Felipe II, rei autor das Ordenações Filipinas.

As Ordenações Filipinas tiveram um papel fundamental na estrutura social-jurídica, sobretudo nas pequenas vilas e freguesias brasileiras que usavam, até mesmo depois do Império, parte de suas normas e no Brasil república até 1916, ano em que foi promulgado o nosso primeiro Código Civil.

Por ter uma vida tão longeva, é incrível o papel daqueles que o fizeram e o compilaram, principalmente no aspecto foraleiro desta e as autonomias que concedia as cidades, sendo que as Ordenações do Reino normalmente ficavam vigentes não por muito tempo, até uma nova ser feita, e isso de fato não aconteceu no Brasil como extensão administrativa de Portugal após o período Espanhol, e até um pouco depois da Proclamação da República.

Mas o que é uma ordenação? É, grosso modo, uma compilação de leis que regiam o reino na época. Era um conjunto, um tanto avulso, em que antes de ser promulgada, eram analisadas leis antigas e leis novas que eram feitas pelos corpos intermediários e analisadas outras fontes jurídicas como as cartas forais. Mas qual o intuito disso? Simples, consolidar uma ordem jurídica já preestabelecida através da atualização de leis. Vemos por exemplo que naquele tempo, que ainda era regido pelo chamado direito costumeiro, via-se frequentemente, regras que eram ainda da época visigótica que funcionavam plenamente e não foram abolidas por desuso já que eram aplicadas no município que aspirava sempre a tradição de seus pais.

Conclui-se então que era algo simples e se distinguia plenamente dos códigos modernos que não buscam a realidade como de fato é, mas a construção da realidade social aos moldes de um apriorismo jurídico, coisa que na época do Rei Felipe nunca se imaginou em fazer, onde era dado mais apreço pela realidade das pequenas cidades, vilas, pelos documentos oficiais, pelas leis que vieram já antes como Corpus Iuris Civilis e o Direito Canônico que de fato um direito liberal como o de hoje.


A construção

Fundação de São Vicente. Aqui se teve a primeira votação do Brasil.

Felipe II assumiu em 1581 o domínio espanhol sobre Portugal, porém ele como meio português (lembremos que sua mãe era portuguesa) precisaria da legitimidade e do apoio dos 3 estados para reinar plenamente. E isso aconteceu na convocação das Cortes em Tomar, onde o grande Rey preserva todos os feitos que Portugal fez em mais de 300 anos de história e também manda fazer as novas ordenações do reino em 1598 para a atualização jurídica após a união das duas coroas, obviamente visando respeitar o costume luso.

A compilação e a análise foram iniciadas no final do reinado de Felipe II e terminadas no início do reinado de Felipe III, este que a promulgou e a assinou.

Quanto a formulação do código era de costume daquela época, como já havíamos demonstrado anteriormente, necessário se ter ideia de qual era o direito antes de 1598 (coisa que não mais acontece hoje em dia, infelizmente), cujas análises foram feitas por diversos juristas importantes, como Jorge de Cabedo, Afonso Vaz Tenreiro e Duarte Nunes do Lião, e o Desembargador do Paço Pedro Barbosa e o jurisconsulto Damião de Aguiar. Estes analisaram as leis anteriores, mantendo algumas antigas, removendo outras, e acrescentando novas leis. Ou seja, essa é a essência da Ordenação: a união do reino sob uma legislação que respeita seus costumes bons, mantém o que precisa ser mantido, e acrescentando novas leis e retirando do corpo jurídico aquelas que não dão mais o efeito. Era um corpo orgânico que se movia com os tempos, mas não perdia sua função de unidade em todo o Império.

Porém, sendo uma compilação avulsa, não escapava de ter lacunas para o entendimento do juiz.

As Ordenações Filipinas conservaram-se fiéis à divisão tradicional em cinco livros, subdivididos em títulos e parágrafos, onde cada livro já tinha uma separação parecida com a moderna divisão de direito penal, e civil. A distribuição das matérias pelos vários livros manteve-se igualmente inalterada. No período de análise dos juristas nas legislações anteriores, foram analisadas com minúcias de detalhes as Ordenações, Joaninas, Manuelinas e Sebastianistas, os decretos, provisões e outros tipos de leis decretadas pelos reis e também pelos corpos intermediários. Os territórios portugueses de além-mar ganharam um trato especial: foram analisadas, ao invés de revogadas, todas fontes (leis municipais, cartas de doação, os forais e os regimentos dos governadores) e foram integradas ao corpo filipino português e respeitadas plenamente.


Os efeitos das Ordenações

Prédio da Câmara de cadeia de Porto Seguro.

As ordenações, por mais que respeitassem os costumes de cada região do Império, haviam enormes dificuldades da subsunção normativa aos casos concretos, coisa que não havia por exemplo nas modernas ordenações de Dom Manuel (mesmo essa sendo bem mais antiga da qual estamos analisando). Como já explanei anteriormente, o Código Filipino era frequentemente lacunoso, havendo inúmeras antinomias e o interpretador deveria sofrer muito para poder fazer seu trabalho. É o que Álvares da Silva nomeia de “Filippismos”, os erros quase únicos do Corpo Legislativo.

Porém, é completamente compreensivo esse tipo de coisa, visto que como já enunciei acima, as Ordenações não queriam ser um Código de normas, como os tempos atuais, e nem talvez o Rei quisesse fazer isso, já que ele precisava do apoio português. Empurrar uma nova legislação seria um perigo para a segurança institucional que o Rei almejava conseguir. Olhando isso, o juiz deveria analisar fontes complementares como o Direito Canônico e o Corpus Iuris Civilis, para dar a melhor resposta ao caso.


Ordenações Filipinas no Brasil

Carta Foral de Olinda de 1537. Nele o rei estabelecia junto ao povo, as bases para fortalecer as condições de estabilidade da vida na cidade; nisso se teve a criação do chamado Concelho de Vizinhos que assegurava a unidade jurídica e a limitação do poder da metrópole.

Como já foi dito, as terras além-mar eram parte integrante do Reino português que conseguiu ainda sim sua autonomia com a edição do código filipino lusitano e assim, o processo de transplantação do mesmo modelo português de cidade para os trópicos se manteve, e conseguiram assegurar sua autonomia; era um sistema feito para fomentar aqui o mesmo sistema de direitos e o regime de liberdades da cidade. Sendo assim, é algo extremamente parecido com o municipalismo atual.

Por mais que não houvesse menções diretas ao Brasil na ordenação, ou um parágrafo único sobre as terras brasileiras, havia prescrições claras a como funcionaria a administração por exemplo as disposições que se destinavam a resolver certas questões relacionadas com o Brasil e outras terras do além-mar. Nos trópicos, teve importância para a manutenção da navegação pelo Atlântico. Onde foram designados os Juízes dos feitos do Rei da Fazenda, onde atuavam como em casos civis e penais, cujos casos eram demandados pelo procurador para julgar funcionários públicos, membros de embarcações que desobedecesse às regras e acima de tudo, assegurar os interesses da metrópole. No âmbito econômico, tiveram os Juízes da Índia, Mina e Guiné que julgavam casos pertinentes à ordem econômica, como fretes, avarias e custos de embarcações.


A administração colonial

Mapa ilustrativo do Brasil Colonial.

No mais, quanto a administração municipal no Brasil em todo o período colonial, regido pelas ordenações filipinas, como já foi dito, preservava a autonomia da cidade. Há algumas disposições importantes no código como por exemplo no título XVII do livro I, onde as próprias cidades tinham autonomia de cobrar os impostos e ⅔ ficavam para a reparação de bens públicos importantes, como fortalezas, e para a manutenção do conselho comunal.

Quanto à Câmara ou Conselho ,a corporação dos vereadores chamava-se Municipalidade. Depois da lei de 1.° de outubro de 1828, a Municipalidade brasileira tornou-se uma corporação meramente administrativa, sem acumular mais as funções

judiciárias, coisa que não havia no período colonial, onde por exemplo alguns réus eram julgados apenas pelo poder comunal, não havendo o domínio do poder judiciário em muitas questões.

O código deu as bases de uma cidade que beirava a autossuficiência, onde as coisas eram de fato resolvidas na câmara dos chamados homens bons, onde participavam os procuradores e representantes populares, fazendo a coroa quase nunca se intrometer nos assuntos da Civitas, a não ser para dar privilégios a cidade ou quando a situação estava quase incontrolável.

Com nota de Geraldo Moreira, a autonomia da Civitas brasileira compreendia o “pleno exercício de eleger os governantes locais” mas também a “ampla liberdade de organização dos seus serviços e nos atos de administração”. Nas Ordenações do Reino, podemos encontrar essas mesmas bases no Título LXV §4.

Ocorria essas duas competências, e de acordo com Max Fleiuss, tinham mais capacitações: “Os funcionários da administração geral, como os almotacés, com assistência do alcaide-mor, os quatro recebedores das sisas, os depositários judiciais, o de cofre de órfãos, o da décima, os avaliadores dos bens penhorados, o escrivão das armas, os quadrilheiros ou guardas-policiais do têrmo, etc. Nomeavam representantes seus, procuradores perante as Cortes, influindo assim na alta política do Estado; e organizavam, de conformidade com os juízes e homens bons da terra, as posturas municipais".


A autonomia da cidade

Vila Rica é uma das cidades que reflete principalmente por sua arquitetura essa autonomia.

O governo das vilas de fato foi algo extremamente incrível no âmbito colonial Brasileiro. Nas vilas ressoavam as vitalidades do princípio de autonomia chegando até mesmo a prender governadores que se atrevessem a desrespeitar a autarquia dessas vilas. Os ouvidores não admitiam que os governadores pudessem se intrometer nas decisões políticas, onde o por exemplo, o Ouvidor Geral de Pernambuco, Manuel Luís Pereira de Melo manda suas queixas até o rei de Portugal (depois da restauração), sobre o governador da capitania de Pernambuco, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, este preso, levado a ferros a Portugal após ser acusado de corrupção e tentativa de centralizar o poder. Ou seja, exemplo como este, denota-se que mesmo após a restauração portuguesa e o dito “absolutismo” português, as comunidades como vilas e freguesias continuam tendo sua autonomia, tudo isto consolidado pelas Ordenações Filipinas.


Conclusão

São Fernando III de Castela.

Conclui-se então um pequeno trabalho, de cunho expositivo que visa esclarecer aos senhores leitores, sobre as origens municipais do Brasil, que foram consolidadas pela Ordenação Filipina de 1603, e que se manteve no Brasil, obviamente com severas mudanças com o passar dos séculos, até 1916, ano que foi promulgada nosso primeiro Código Civil. Vemos aqui que descendemos de um povo que se organizou de forma orgânica e fiel a seus princípios morais e sua autonomia e a busca da autossuficiência de uma legítima Civita ou Urbs; sistema digno que uma Monarquia Limitada Tradicionalista, a qual nós, membros da Legião de Anchieta lutamos.

Termino com uma frase Max Fleiuss: "a terra dividida em senhorios dentro do senhorio do Estado, - eis o esboço geral do sistema administrativo na primeira fase da nossa História".

Caro leitor, sei que este tipo de artigo não é comum, principalmente em nosso site, visto que os outros artigos são de conhecimento mais voltado ao Dogma da igreja, e este é de cunho histórico-jurídico, que visa o maior conhecimento da história jurídica de nosso país; o fim último que desejo suscitar em vossas mentes e corações é: pensem e meditem sobre uma sociedade orgânica e os meios pelos quais o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus poderá se concretizar. No mais, terminemos com uma oração de São Fernando III de Castela: “Ó Deus, que destes a São Fernando a graça de governar com justiça e caridade, para o bem de seu povo e de seu país, daí também a nós a graça de governar nossas vidas com amor, justiça e verdade, para que sejamos felizes e façamos felizes aqueles que convivem conosco. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo, amém. São Fernando, rogai por nós.”

Deus, Pátria, Imperador e Município!

Fontes:

Introdução à História do Direito Político Brasileiro, do Galvão de Souza







 
 
 

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